sexta-feira, 19 de agosto de 2011

RAP*: Adoro-te



É de noite e chove. Humphrey Bogart vê partir o avião onde viajam a Ingrid Bergman e o outro senhor que é muito digno e muito chato, como todos os senhores muito dignos. Bogart puxa uma última fumaça do seu cigarro e depois guarda-o no bolso, porque quando chegar a casa vai recarregar-lhe a bateria de lítio usando para tal um carregador de 220 volts ou um simples cabo USB. Fim.

(...) Embora não haja ainda a certeza de que o e-cigarro seja menos prejudicial à saúde do que o cigarro tradicional, a nossa sociedade parece indicar que, quando posta perante o nocivo e o ridículo, opta pelo ridículo. Trata-se de uma escolha deplorável.
(...) Creio que a invenção do e-cigarro é, além disso, uma manifestação do ódio crescente que a nossa sociedade vem dedicando ao papel. Um cronista deve pronunciar-se regularmente sobre aspetos da nossa sociedade que escapam aos seus contemporâneos, e eu já não refletia sobre a nossa sociedade há alguns meses. Reparem: deixamos de comprar jornais em papel porque podemos lê-los no iPad e deixamos de comprar livros em papel porque podemos lê-los no iPad. Receio que a Apple esteja a trabalhar numa aplicação para limpar o rabo, para que possamos dispensar também definitivamente o papel higiénico. Não contem comigo. Humphrey Bogart nunca aproximaria um aparelho a pilhas do rabo no que se distinguia, aliás, de boa parte dos atores de Hollywood.

*Ricardo Araújo Pereira

Sem comentários: